E aí, enquanto olhava pros meus pés, pela minha incapacidade e completa falta de coragem de olhar nos olhos dele, eu pensava naquela loucura toda. Eu sempre fora totalmente contra essas pessoas que fazem absurdos quando estão apaixonadas. Eu escutei a minha própria voz de desprezo dizendo o jargão que eu sempre usava pra referir aos românticos incuráveis do mundo: “é que o amor move a vida dela, sabe?“. Eu nunca entendi as pessoas que moviam seus mundos pelo amor. Que se mudavam de cidade, saíam do emprego, faziam tatuagens imensas, abandonavam a própria vida... e agora, pra mim, dessa listinha aí, só tava faltando a tatuagem! Eu tinha me transformado numa dessas pessoas que eu considerava tão fracas, eu tinha deixado o amor mover a minha vida. Pior! Eu tinha deixado uma paixão arrebatadora mover a minha vida. Sem racionalidade, sem experiência, sem conhecimento de causa. Eu tinha virado um monstro!
Mas naquele momento, ali naquela hora em que eu surtava e ele me esperava voltar ao mundo real, silenciosamente do meu lado (só então eu vi que ele não falava nada), o meu medo maior era ainda mais complexo que esse. É que de todas as partes do meu corpo, eu só conseguia sentir o meu ombro esquerdo. Era ali que a mão dele estava. Ele se levantou, me deu a mão e me puxou pra cima, pra que eu também me levantasse. Eu me levantei em estado de choque ainda, com os olhos cheios d’água, e ele disse:
- Calma, linda. Eu te entendo e você tem toda razão em ter medo assim. Mas não precisa decidir nada agora, você acabou de chegar. Você vai resolver isso, ou melhor, a gente vai resolver isso. Junto. Uma coisa de cada vez. Vamos pegar suas malas?
Mas era mesmo? Quando percebi a capacidade dele de me acalmar, de me fazer esquecer o medo, quando vi que eu iria a qualquer lugar do mundo com aquela mão nas minhas costas, quando percebi o poder que aquele cara que eu mal conhecia tinha sobre mim... eu me desesperei. Dessa vez um desespero calado, silencioso, contido. Uma parte sussurrante de mim falava baixinho que eu não podia fazer aquilo, não podia mudar a minha vida por um cara, fosse ele quem fosse. Nem se a gente se conhecesse a anos, nem se ele fosse o príncipe mais encantado, nem que ele fosse... ele.
Ele buscou as minhas malas, girando sozinhas na esteira de bagagens, colocou num carrinho que ele empurrava sem fazer força nenhuma, com uma das mãos. A outra estava, ainda, na minha cintura.
A gente entrou no carro dele, a gente foi pro apartamento dele, a gente subiu com as malas, eu tomei um banho. E jantamos, e ficamos sentados no sofá, juntos vendo TV e falando sobre tudo, menos sobre nós. E eu nem sei dizer o que sentia ou pensava durante todo esse tempo, simplesmente porque resolvi bloquear. E não analisar mais, pelo menos por enquanto. Eu passei horas e hora sem pensar em nada, porque eu não podia fazer contato com mais nenhuma dor e mais nenhum medo naquele momento. Era demais pra um dia só.
Quando fomos pro quarto dele, que ao que tudo indicava, era o meu quarto também, eu nem parei pra pensar que aquela era a primeira vez que fazíamos aquilo. Que entrávamos juntos no nosso quarto. A primeira do que podiam ser muitas e muitas vezes. A primeira vez do resto da vida, quem sabe?
Mas a gente não se deitou. Ele me sentou numa cadeira, virada pra cama, e se sentou, na beirada da cama, na minha frente. E começou a falar, segurando as minhas duas mãos nas dele.
- A gente não precisa conversar enquanto você não quiser. Você não precisa nem dormir comigo
Os meus olhos se encheram de água, e eu tentei controlar, mas era impossível. Eu me levantei, ele se levantou. E com toda a força que consegui reunir, eu empurrei o peito dele, com as duas mãos, até que ele caísse na cama. E quando caiu, meio assustado, meio sem entender, eu sorri de leve, mordi o canto do lábio, apaguei a luz e subi em cima dele.
O resto? O resto vocês já sabem.
Naquela primeira noite na “minha nova casa”, eu não dormi.
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